O general Hélder Pitta Gróz, nas vestes de Procurador-Geral da República do MPLA (Angola), disse hoje que a indisponibilidade de Isabel dos Santos para prestar declarações ao que ele chama de à Justiça tem atrasado os processos judiciais, frisando que foram dadas “todas as oportunidades” à empresária. Será para rir? Será para chorar? Não. É apenas para inglês ver. Para juntar à festa, o ex-governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, acusa o primeiro-ministro socialista de Portugal, António Costa, de o ter pressionado para segurar Isabel dos Santos na Administração do BIC.
“O processo está praticamente concluso, tivemos uma questão que, de certa forma, retardou o processo que é o facto de ela nunca ter sido ouvida, já que deveria ter sido interrogada na condição de arguida”, disse Hélder Pitta Gróz à margem de uma cerimónia de tomada de posse de 30 novos subprocuradores da justiça.
Se por um lado, deixou Angola pouco depois de João Lourenço suceder ao seu pai, José Eduardo dos Santos, no cargo de Presidente, em 2017, por outro lado, as várias cartas rogatórias “não foram tendo sucesso”, admitiu o general Procurador-Geral.
Uma das últimas foi solicitada aos Países Baixos, este ano, mas Isabel dos Santos, “escusou-se a colaborar” com as autoridades holandesas, a pedido da justiça angolana, disse o mesmo responsável.
Para o general Pitta Gróz, esta teria sido uma oportunidade “soberana” para a filha do antigo Presidente angolano se poder defender e contar a sua versão dos factos. “Ela preferiu não o fazer e, portanto, vamos continuar com aquilo que a nossa lei processual penal prevê”, sublinhou.
Questionado sobre os instrumentos a que poderá recorrer a justiça angolana a seguir, o Procurador-Geral afirmou não estar “preocupado com isso”
“A oportunidade já foi dada e ela negou-se a apresentar-se às autoridades. Por isso, não temos mais de dar outras oportunidades”, vincou Pitta Gróz.
Sobre se as autoridades angolanas poderão emitir um mandado de captura internacional, hipótese que chegou anteriormente a ser aventada, o magistrado escusou-se a responder por se tratar de “uma questão processual que não deve ser divulgada”.
No entanto, Isabel dos Santos poderá comparecer nos tribunais holandeses no próximo ano.
Um artigo publicado na semana passada no jornal holandês NRC deu conta de um novo processo aberto contra Isabel dos Santos e associados portugueses, devido a um alegado desvio superior a 50 milhões de euros.
O caso envolve a Esperaza, sociedade veículo holandesa através da qual a petrolífera do MPLA (Sonangol) na altura em que era liderada por Isabel dos Santos entrou na Galp Energia, e a Exem ligada ao falecido marido da empresaria, Sindika Dokolo, bem como vários “facilitadores”.
O NRC adianta que Isabel dos Santos, o “maior escritório de advogados de Portugal e um parceiro, um advogado bem conhecido”, bem como o antigo braço direito da empresária, Mário Leite Silva, foram notificados neste Verão para comparecer em tribunal, em Março de 2023, no âmbito deste processo cível.
Também serão ouvidos responsáveis dos bancos detidos por Isabel dos Santos em Portugal e Cabo Verde, assim como de um escritório holandês (TCA) responsável pela gestão de sociedades da empresária e do seu marido, Sindika Dokolo.
Isabel dos Santos, que chegou a ser a mulher mais rica de África, é alvo de processos judiciais em vários países, na sequência do escândalo Luanda Leaks.
Em Angola, além do processos-crimes e cíveis foram apreendidos activos, contas e participações sociais em várias empresas, tendo sido recentemente nacionalizada a quota que detinha na operadora de telecomunicações Unitel.
O mesmo acontece em Portugal, onde Isabel dos Santos tem participações e contas congeladas e tem abertos na justiça, segundo o jornal português Observador, 17 processos.
O Consórcio Internacional de Jornalismo de (suposta) Investigação (ICIJ) revelou em Janeiro de 2020 mais de 715 mil ficheiros, sob o nome de Luanda Leaks, que detalham alegados esquemas financeiros de Isabel dos Santos e do marido, Sindika Dokolo, que terão permitido retirar dinheiro do erário público angolano através de paraísos fiscais.
Entretanto, Carlos Costa, ex-governador do Banco de Portugal (não reconduzido no cargo pelo PS) afirma que o primeiro-ministro, António Costa, terá exercido pressão sobre si para manter Isabel dos Santos no BIC, numa manifesta ingerência e pressão política.
Às 22h45 de domingo, 3 de Agosto de 2014, o então Governador do BdP, Carlos Costa, anunciou a resolução que ditou o fim do Banco Espírito Santo. “O Conselho de Administração do Banco de Portugal deliberou hoje aplicar ao Banco Espírito Santo SA uma Medida de Resolução. A generalidade da actividade e do património do BES é transferida para um banco novo denominado de Novo Banco devidamente capitalizado e expurgado de activos problemáticos”, fica para a história como o discurso que decreta o fim do BES.
Assim, o primeiro-ministro António Costa terá feito pressão sobre Carlos Costa, então Governador do Banco de Portugal, de forma a que Isabel dos Santos se pudesse manter na administração do Banco BIC. É o que conta o jornalista Luís Rosa no seu livro “O Governador”, em que revela momentos marcantes do seu percurso enquanto líder do banco central, entre 2010 e 2020.
De acordo com o “Observador“, na obra são revelados “factos até agora desconhecidos sobre a intervenção da troika, o caso Banco Espírito Santo e a resolução do BANIF, entre outros temas”, assim como detalhes sobre as tensões “com José Sócrates, António Costa e Mário Centeno e as guerras com Ricardo Salgado e a família Espírito Santo”.
Um dos episódios contados por Luís Rosa passa-se em Abril de 2016, quando o governador informou Isabel dos Santos, a maior accionista do BIC, e Fernando Teles, sócio da filha mais velha do ex-presidente de Angola, que tinham de se afastar do Conselho de Administração do Banco no qual tinham uma participação de 20%. Uma decisão que tinha por objectivo fazer passar aos mercados a certeza de que aquela instituição bancária em nada estava relacionada com os problemas a que estava exposto o BIC Angola.
Isabel dos Santos não aceitou a ideia e gerou-se uma discussão entre os dois, com a engenheira e empresária a subir o tom, adoptando uma abordagem agressiva. Perante a determinação de Carlos Costa, recorreu às instâncias mais altas do poder político, incluindo ao primeiro-ministro português, que terá defendido a posição da mesma. Contudo, sem sucesso: tanto a filha do antigo presidente de Angola como Fernando Teles foram substituídos nos seus cargos.
O livro “O Governador” é editado pela Dom Quixote e será apresentado na próxima terça-feira, dia 15 de Novembro, às 17h30, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. O prefácio é de Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu.
Entretanto, em resposta à acusação de Carlos Costa, o primeiro-ministro António Costa afirmou que vai apresentar queixa contra o ex-governador do Banco de Portugal.
Folha 8 com Lusa e Jornal Económico